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sábado, julho 31, 2010

                                       A primeira hippie brasileira
Sinhá Olympia


Rachel Almeida

Quem visitou Ouro Preto entre os anos 50 e 70 teve a honra de conhecer a primeira hippie brasileira. Dona Olympia, ou Sinhá Olympia, não passava despercebida pelas ladeiras da cidade. E fazia questão disso. O visual ajudava: roupas coloridas, chapéu florido, o cajado inseparável na mão e um cigarro na boca. Mas não foi só a aparência extravagante que a tornou figura lendária fora das fronteiras de Minas Gerais, retratada por fotógrafos e pintores, inspiração de músicos e até tema de desfile da Mangueira, em 1990. Era mulher de personalidade forte, sem papas na língua, e exímia contadora de histórias.
Histórias sem pé nem cabeça, é verdade. Dona Olympia gostava de misturar realidade e ficção, sempre dando um jeitinho de incluir nos relatos personagens como a princesa Isabel, Dom Pedro I ou Tiradentes. E a si mesma, o que fazia com que se falasse que ela "não tinha a cabeça muito boa". Mas cativou gente à beça, de músico a padre, de presidente a poeta, sempre com a mania de jogar conversa fora. No momento em que são lembrados os 30 anos de sua morte, o Festival de Inverno de Ouro Preto e Mariana, que termina dia 23, decidiu prestar homenagem a Dona Olympia. Um incentivo para as lembranças dos ouropretanos que acompanharam sua opção por uma vida de liberdade e fantasia.
Natural de Santa Rita Durão, distrito de Mariana, mas cidadã de Ouro Preto, Olympia Angélica de Almeida Cotta nasceu em família rica, mas optou por viver perambulando pelas ruas íngremes da cidade histórica. Desilusão amorosa, dizem. "Ela era linda na juventude, muito bonita mesmo, e se apaixonou por um estudante de farmácia pobre. O pai, com medo de o rapaz estar tentando dar o golpe do baú, proibiu o romance. Tempos depois, ela resolveu se vestir de maneira excêntrica, vagando por aí, inventando casos. Um jeito de enfrentar o pai e a dor", explica a artista plástica Maria Efigênia Pereira, de 71 anos, cujo pai teria sido amigo do tal estudante de farmácia. Segundo a artista, depois da proibição, o casal passou 15 anos sem se encontrar. "Um dia ele veio a Ouro Preto para o reencontro com colegas de faculdade. Houve uma comemoração e Olympia apareceu. Os dois começaram a chorar muito. Na semana seguinte, o homem morreu. Não agüentou de emoção". 

Há mais de quatro décadas pároco da Igreja Nossa Senhora do Pilar e máxima autoridade religiosa de Ouro Preto, padre Simões, de 75 anos, não sabe detalhes da vida amorosa de Dona Olympia, mas conheceu bem os hábitos da "dona carochinha", que adorava uma cantoria dentro da Igreja. "Olympia costumava tocar piano na juventude. Tinha uma voz linda, que depois foi ficando mais grave. Às vezes, eu precisava dar uns pitos porque ela cantava muito alto ou fora da hora, mas ela tinha um respeito impressionante por mim", lembra Simões, que esteve ao seu lado nos últimos dias de vida, na casa onde hoje funciona a tradicional cachaçaria Milagre de Minas. "Depois que ela se foi, encontramos debaixo de sua cama notas e mais notas de dinheiro dos mais diferentes países. Não precisava disso, mas adorava pedir dinheiro aos turistas".
Conversas com JK e Tancredo



     Os estrangeiros a adoravam mesmo. Chegou a receber convites para visitas no exterior e dezenas de cartas de turistas, mas nunca deixou Ouro Preto, como mostra detalhadamente a peça "Olympia", um belo trabalho de mimese da atriz Ângela Mourão, com direção de Marcelo Bones, que abriu o festival de inverno. Para a autora do texto e coordenadora do festival, Guiomar de Grammont, a peça é uma maneira de homenagear uma personagem que coloriu sua infância. "Olympia fez parte da minha infância. Era uma mulher que fascinava e me amedrontava ao mesmo tempo. Uma mistura de fada e bruxa". Despertar o medo infantil, no entanto, não era regra na trajetória de Dona Olympia. "Eu tinha 8 anos e ela vivia me dando balas. Como ter medo de uma mulher que distribui doce?", lembra a dona de casa Angélica Couto, 40 anos. 
 [Clube da Esquina-BH]
Musa da contracultura, Olympia adorava posar para fotos, e acabou virando personagem de poemas e letras de músicas. Toninho Horta e Ronaldo Bastos compuseram "Dona Olímpia" para o disco duplo "Clube da Esquina 2", lançado em 1978 por Milton Nascimento. A contadora de histórias também conheceu Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves, entre outros presidentes. "Olympia adorava Tancredo Neves! Sempre que ele visitava Ouro Preto, ela conseguia passar no meio de todo mundo: polícia, leão de chácara, para chegar até ele. Era uma figura!", diverte-se o padre Simões.
Autor do livro "Jacubas e Mocotós", sobre as figuras que fizeram história nos paralelepípedos de Ouro Preto, o escritor, artista plástico e compositor Wandico Alexandre da Silva, de 68 anos, tem admiração pelo povo da rua. "Dona Olympia era uma figura de expressão dramática. De longe você percebia a chegada dela, pelo odor característico de cigarro. Era muito educada e só se irritava quando a meninada mexia com ela. Os chamados loucos da rua são pessoas que nos ensinam muito, são filósofos da vida. É dessa turma que eu gosto", poetiza.
Tema de exposição no Centro de Convenções da cidade, Olympia Angélica de Almeida Cotta ficou famosa, como intuiu décadas atrás. "Uma vez estava pintando na rua, em frente à casa de Olympia, e pedi para ela guardar meu cavalete enquanto eu almoçava" comenta o artista plástico Zé Nelson, de 63 anos, que pintou um quadro em homenagem a ela para a exposição. "Ela me disse o seguinte: 'Você quer ficar famoso? Então tem que me pintar'. Quarenta anos depois, segui o seu conselho".

Ela vivia pelas ladeiras da cidade contando estórias para turistas e para quem mais quisesse ouvir. Pedia sempre uma moeda em troca e disputava as atenções com os monumentos históricos da cidade. Misturava fatos históricos de épocas diferentes.
Foi considerada por Rita Lee a primeira hippie do Brasil e transformou-se em musa de Carlos Drumond de Andrade e de Milton Nascimento. Era de família importante da região e uma desilusão amorosa a levou a vagar pelas ruas.
Dizia ter convivido com o Alferes Joaquim José e que era amada pelo poeta revolucionário Cláudio Manoel da Costa. Que freqüentou porões clandestinos dos inconfidentes cultivando os mais belos ideais de liberdade.
Dizia também que era belíssima. Rainha dos salões dos bailes imperiais e freqüentava ambientes de raríssimo esplendor. Que amou tanto quanto foi amada.
A Cinderela de Vila Rica...
Sempre era vista com seu vestido de fitas, chapéu florido e seu imponente cajado; uns diziam que era louca, outros que vivia inventando estórias...
Para ela, nada disto importava. Coisas do nosso tempo, do nosso mundo tão chato, tão medíocre... tão previsível. Para ela nada disto valia, se era verdade ou se era invenção, se era real ou se era delírio.
Delírio, isto sim.
Sua vida era bela, era fascinante de emoções porque “ela” acreditava naquilo que contava. E vivia intensamente, cada baile, a dor de cada romance.
Transformava tudo que julgamos “mentira, na mais fiel realidade”.
A realidade do mundo irreal em que vivia. Que se passava nas ruas da Vila Rica dos Inconfidentes.
Assim era o que se dizia...
Um dia Sinhá Olímpia morre. Foi na década de 70. Ela que havia nascido em 1888 segundo consta de um papel carimbado por um cartório local. Ela que viveu entre sonhos e quimeras todo o esplendor do século XVIII, sem que nenhum cartório tenha registrado isto.
Aí vem o carnaval de 1990. Os poetas do povo captam a magia de uma personagem tão formidável, tão singular, para tirar-nos do nosso mundo-pé-no-chão, através das cores, cheiros e sons do carnaval e nos conduzir ao mundo dela.
Ao espaço infinito de suas estórias, sem datas, sem regras, sem limites.
O mundo dela que não era mais aqui, e nem é o “mundo dela” de Vila Rica. Agora não acordará mais. Não haverá amanhecer...
Suas estórias aqui não fazem mais sentido, serão agora contadas em outros lugares, em outros planos,como canta um dos sambas ,que foi enredo da Estação Primeira de Mangueira:

“...vai contar história no infinito
Vai não haverá amanhecer...
Vai dizer que foi esculturada
Que sofreu por amor, que foi amada.
Musa inspiradora
Luz de uma canção
Bailando na imensidão...”
Num desfecho inspiradíssimo, momento mágico do carnaval, a escola colorida se identifica com a musa e pergunta: Quem é essa mulher, intangível, indecifrável?
E assim é a própria Mangueira que, em pleno delírio de carnaval, responde sua própria pergunta, travestindo-se nela, para deixar que ela mesma, em verde e rosa, se defina para nós, pobres, equilibrados e sensatos mortais, e revele a sua paixão maior:
“...Sinhá Olimpia
Quem é você ?
Sou o amor sou a esperança
Sou Mangueira até morrer”


 [Quando os Festivais de Inverno ainda em Ouro Preto, estudante e hippie, tive a felicidade de conhecer essa Figura ímpar[ nossa Guru], era parte daquele cenário,cuja história respira em nossas retinas para sempre...para sempre. Quem viveu, sabe! Não se esquece jamais! anadeabrãomerij]


Um comentário:

  1. Oh! Minas Gerias...oh! minas gerais, quem te conhece , nã0 esquece jamais...
    Quantas saudades de Ouro Preto, das suas ladeiras, das repúblicas,de sinhá Olympia...recordações eternas.
    FIZ ENGENHARIA LÁ.
    ANOS NÃO VOLTO, AO LER ESTA MATÉRIA ME DEU VONTADE DE PEGAR O CARRO E SEGUIR ...
    Obrigada e Parbéns!
    Lembra de mim, Nana Merij?
    Irmão do J.B. Bjs , J.C.
    lEMBRA DE NOSSAS SERESTAS?

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Boas Leituras!