At the end of the page, you find a translator for your language .


quinta-feira, maio 05, 2011

A LEVEZA DO DESENHO DE MARIA LEONTINA



As mulheres que foram, em quase toda história da arte, objetos do olhar masculino, musas, modelos, no Brasil, elas marcaram presença com trabalhos singulares e inovadores, a exemplo de Maria Leontina (1917-1984). Conhecida por sua pintura produzida às margens dos movimentos: Concreto e Neoconcreto, mas seguindo de forma livre a tendência construtiva, Leontina passou pelo academicismo e o expressionismo, fez experiências com a cor e o gesto, direcionando sua pintura para um abstracionismo geométrico espontâneo. Um construtivismo lírico, e porque não, pessoal e sensível.
Essa exposição de desenhos de Maria Leontina, guardados na sua mapoteca, por cerca de vinte e cinco anos, é um achado quase arqueológico. Só a curiosidade de um curador com a permissão da família foi possível encontrar essas pequenas preciosidades. Quem visita o atelier de um artista sempre encontra surpresas, um mundo particular de quem passou a vida reinventando o olhar, fixando sobre superfícies ou suportes gestos, traços, cores, os devaneios da mão e as imagens do confronto com o estar no mundo.
 
 

Estamos diante de anotações, esboços, obras acabadas ou inacabadas. Não temos certeza. Não importa. São exercícios da artista que demonstra uma disciplina de trabalho. São desenhos em pequenos formatos, despretensiosos, com traços modernos e leves. Muitos parecem que vão sair do papel e flutuar no mundo da imaginação. Esses desenhos, além da qualidade estética de obra de arte, são documentos, registros que descrevem uma vida de trabalho, referências existenciais da artista que não comprometeram os valores plásticos de suas construções pictóricas.

O traço intencionalmente delicado do desenho de Leontina tem uma história, deixaram de ser contornos de coisas e passaram a ser intervenções e reações do sujeito para ocupar um espaço. Desenhos infantis, estudos acadêmicos, retratos expressionistas, naturezas mortas e desenhos geométricos que narram a passagem do figurativo para o abstrato. A ventura da artista para construir uma obra e a opção por composições não ortodoxas, narrativas visuais, indiferentes ao suporte teórico que sustentava a vanguarda geométrica, com um senso poético que surpreende a razão construtiva.





 Almandrade
(artista plástico, poeta e arquiteto)


Maria Leontina Franco da Costa
1917-1984
.      
     
    Romance com final feliz

         Corria o ano de 1945 e o término da 2ª Grande Guerra reabria as portas do mundo para um intercâmbio cultural mais amplo. Do Brasil, vai para os Estados Unidos, e depois para a Europa, o pintor Milton Dacosta   (1915-1988). Em sua companhia, segue também a artista Djanira da Mota e Silva (1914-1979), com quem ele vivia um romance.

         Dacosta tinha sua excursão financiada por um prêmio de viagem que acabara de ganhar e esperava aperfeiçoar sua arte, já bem desenvolvida; Djanira, mais velha que ele, mas menos experiente na arte, viajava por conta própria, valendo-se no dinheiro que conseguira amealhar em umas poucas exposições de que participou.
 
 

         Na mesma época, em São Paulo, uma jovem aluna, Maria Leontina Franco da Costa, terminava seus estudos com Valdemar da Costa, professor do Liceu de Artes e Ofícios, este com nome respeitável nos meios artísticos. Leontina, ao contrário, preparava-se para começar uma longa jornada, abrindo caminho por entre pedras e espinhos, na longa e estreita vereda que conduz à fama e consagração.

         Três vidas e três destinos que se cruzam. Djanira, em breve, voltará à sua rotina no aprazível bairro de Santa Teresa, Rio de Janeiro, independente por opção, indócil por temperamento, despachada, falastrona, amiga de todos mas senhora do próprio destino.

         Milton da Costa volta ao Brasil em 1947 e conhece Maria Leontina, com quem estabelece uma sólida e duradoura parceria. Dacosta e Leontina se casam em 1949 e o compromisso matrimonial somente irá se romper 37 anos depois, com a morte da pintora, uma perda que o veterano artista não conseguiu superar, vindo a falecer quatro anos depois.

    O tempo e o vento





         Quem era essa mulher, desconhecida da crítica, sem nome firmado no mercado, que conquistara o coração do jovem, mas já famoso pintor ?

         «Leontina falava pouco - comenta o crítico de arte Valmir Ayala (1933-1991). - Sua antieloqüência era fecunda de reflexão e disciplina. Era um ser atento à vida e ao mundo visível, procurando e projetando os toques invisíveis das formas conhecidas e catalogadas.»

         Maria Leontina Franco da Costa nasceu em São Paulo em 1917 e faleceu no Rio de Janeiro em 1984. Seu currículo como estudante a recomendava bem, mas passou os primeiros anos de sua carreira no semi-anonimato, só despertando a atenção da crítica após seu casamento e, ainda assim, na observação de Sérgio Milliet (1898-1966), era impressonante o «quanto havia de doentio em sua pintura acinzentada e quente, feita quase toda de fusões e de impulsos também, de muita melancolia, senão de amargura».

         Essa característica, originária de sua primeira fase, mudaria completamente na década de 1950, alterando seu relacionamento com a crítica e projetando-a no cenário artístico, com o que sua presença em exposições passou a ser uma constante. Entre 1952 e 1954, esteve na França em companhia de Milton Dacosta: ele como "free-lancer"; ela com uma bolsa de estudos concedida pelo governo francês.

         De volta ao Brasil, participou das Bienais de São Paulo em 1955, 1957, 1965 e 1989, inscrevendo-se e participando de mostras no Brasil e no exterior e realizando exposições individuais praticamente todos os anos, o que dá idéia do volume de sua produção artística e da boa aceitação de seu nome no mercado de arte.

    Criar primeiro, filtrar depois
 
 
 
 

         É costume dos pintores dividir seu trabalho em fases. Às vezes o fazem por opção, em outras, isso ocorre inconscientemente, sendo a mudança de fase detectada pelo próprio mercado e pela crítica.

         No caso de Maria Leontina, essa mudança de fases é plenamente consciente e a freqüência com que isso ocorre chega a ser quase doentia. Seu trabalho é bem classificado, como se classificam documentos em um arquivo: «Jogos e Enigmas, Narrativas, Episódios, Da Paisagem e do Tempo, Formas», e assim por diante, a perder de vista.

         É a própria pintora que se justifica, em uma de suas declarações, ao dizer que as manifestações interiores de um artista não podem ser contidas e é preciso «que o artista as deixe fluir livremente. Não podem ser inibidas, reprimidas, senão soam falsas, inautênticas. (...) Qualquer artista tem, logicamente, suas mudanças dentro de si, que elimina ou filtra, à sua maneira, contanto que conserve sua unidade íntegra».

         Sabendo contrabalançar a emoção com a razão, buscando incessantemente novas formas de expressão, Maria Leontina ganhou destaque entre seus contemporâneos, experimentando sempre, variando continuamente, mas sem se tornar inconstante, pois é possível vislumbrar, em sua pintura, uma unidade total, uma costura entre entre as várias fases, da mesma forma que um escritor amarra os vários capítulos de seu livro para formar uma única obra.

         O nome de Maria Leontina Franco da Costa tornou-se um referencial importante na pintura moderna brasileira. O estudo de sua obra é fundamental para o conhecimento desse periodo, ainda vivo no Brasil, tendo grande repercussão especialmente no período compreendido pela segunda metade do Século 20.

    ( Paulo Victorino)

BIOGRAFIA
 
 
 
Maria Leontina Mendes Franco da Costa (São Paulo SP 1917 - Rio de Janeiro RJ 1984). Pintora, gravadora, desenhista. Inicia estudos de desenho com Antônio Covello, em São Paulo, em 1938, e na primeira metade da década de 1940 estuda pintura com Waldemar da Costa. Em 1946, no Rio de Janeiro, freqüenta o ateliê de Bruno Giorgi e faz curso de museologia no Museu Histórico Nacional - MHN, entre 1946 e 1948. Em 1947, participa da exposição 19 Pintores, na Galeria Prestes Maia, em São Paulo, ao lado de Lothar Charoux, Marcelo Grassmann, Aldemir Martins, Luiz Sacilotto e Flavio-Shiró. Em 1951, é convidada pelo psiquiatra e crítico de arte Osório César para orientar o setor de artes plásticas do Hospital Psiquiátrico do Juqueri. No mesmo ano, organiza uma mostra dos internos no Museu de Arte Moderna de São Paulo - MAM/SP. Em 1952, com bolsa de estudo do governo francês, viaja para a Europa, acompanhada pelo marido, o pintor Milton Dacosta. Em Paris, entre 1952 e 1954, freqüenta o ateliê de gravura de Johnny Friedlaender. Na década de 1960, realiza painel de azulejos para o Edifício Copan e vitrais para a Igreja Episcopal Brasileira da Santíssima Trindade, ambos em São Paulo. Inicialmente, sua obra é pautada no figurativismo de cunho expressionista, mas paulatinamente passa ao abstrato, sem seguir o rigor da geometria pura. Em 1960, em Nova York, recebe o prêmio nacional da Fundação Guggenheim e, em 1975, o prêmio pintura da Associação Paulista de Críticos de Artes - APCA.
 
 
Sinopse

A artista plástica Maria Leontina (1917-1984) é figura fundamental na história da pintura brasileira do século XX. Importantes personalidades e críticos de arte comentam neste livro sua obra, sua atuação e seu processo criativo. Para Ferreira Gullar, Maria Leontina construiu uma “arte requintada e silenciosa”. Para Paulo Venancio Filho, “dissociada da urgência moderna, a pintura de Maria Leontina parece situar-se em outra esfera temporal, distante dos imperativos do progresso e da mundanidade.” Para Lélia Coelho Frota, “é de tal qualidade a coerência interna de sua obra, e tão pessoal a linguagem que criou através das narrativas visuais que constituem o seu percurso de artista, que, caso houvesse nascido em um país de economia hegemônica, ela constaria hoje, ao lado de vários outros criadores brasileiros, entre os nomes de primeira linha na história da arte contemporânea: Tobey, Rothko, por exemplo.” Casada com o artista plástico Milton Dacosta, Maria Leontina produziu tanto quanto ele, em mais de quarenta anos de atividade: sua obra passa pelo figurativismo, expressionismo, abstracionismo, construtivismo; ganhou feições diferentes, mas se manteve sempre fiel a uma mesma visão poética e transfiguradora do real, transpassando a tendência crítica das rotulações. Walmir Ayala diz que “pintores como Maria Leontina e mesmo Volpi deixam risonhamente que os analistas queimem as pestanas tentando limitar o que eles pretendem ilimitado.” Num trabalho inédito e abrangente, este livro traz cerca de 180 reproduções em cores de suas principais obras, é bilíngüe e traz ainda um depoimento da artista e uma cronologia completa, enriquecida por trechos de artigos de jornais que registraram a participação de Maria Leontina em inúmeras exposições, mostras, bienais e salões nacionais e internacionais e seus prêmios. Este livro teve o apoio institucional da Tecnisa S/A.
 
 
 
 
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada por sua visita.
Boas Leituras!